Havia garotos sentados na beira.
Risonhos, célebres, descontraídos como folhas descansando em galhos. Sorriam-se
e era noite; Mas à noite já acostumados. Não queriam nada, mas falavam entre si
e misturavam palavras à toa. Ouve um tiro. Um deles engoliu o sorriso e a
brincadeira virou sala de reunião. Compenetrados, esforçavam-se em atenções;
batiam os pretos dos olhos uns nos outros, queimava os peitos. De repente a
Noite tirou a máscara, era a atriz sem personagem, era a substância sem cápsula
que dilacera a garganta seca. Não havia sequer um poste a menos, mas tudo
parecia escuro demais para crer em caminhos seguros. Pra onde foi a Noite?
A Noite deu um tiro, sabiam,
ninguém acertou. Os pivetes também não tem mais pé descalço e dente de leite.
São homens malogrados, perderam a infância no olhar. Alimentaram suas estaturas
cheirando ares pesados. Pegam um trem que balança parado. Escoram-se em bandos,
em fileiras. São filhos de outro pai, enquanto os herdeiros reais passam de
bolsa a tiracolo na Rua do Acre. A Noite não matou um sequer. Sobreviveram e
fazem parte de seu pelotão circular agora.
Se um estilista os visse, o que
diria? O quê de seu tem nas roupas que usa? Se um gravata os visse? E uma
escovada, faria o quê? Rezam. Mas só rezam baixo, os rapazes não escutam do
lado de fora da igreja... Ainda não perceberam isso. Pensam haver um
interlocutor, alguém que leve recados. – “O invisível não pode ser roubado nem
esfaqueado, melhor que ele vá no meu lugar!” – Devem pensar. Pedem pelos outros
menos do que pra si. – “Que pena! Rapazes poderiam estar trabalhando.
Misericórdia! Minha filha começou na faculdade, dê um bom emprego pra ela!”.
Onde estão as pontes que não
escondem as mazelas do ser? Onde poderemos nós nos esconder diante das verdades
que não enxergamos por que pedimos a Deus intermediar? Somos a mãe que não
entra no necrotério para reconhecer o corpo do filho. Quantos viadutos
precisarão para dormirmos quando percebermos nossa indigência? A prefeitura não
está preparada para tamanho deslocamento. Então, ao que parece, fizemos acordo:
Cada um constrói sua própria ponte, com portas, camas, geladeiras. Mas estamos
debaixo da ponte, ainda não dormimos tão melhor que os moleques enfileirados
atrás da banca de jornal. E sentimos o frio da alma no chão gelado. Bom,
tomamos banho, isso nos diferencia. É uma boa tomarmos todo dia. Se ficarmos
sem, já seremos iguais demais e aí nos confundiremos entre a ponte e a casa, o
crack e o jornal da tv, o pai violento e o mendigo ébrio, o filho transgressor
e o menor infrator, o suborno do guarda e o roubo da padaria.
Não podemos. Por isso usamos caros
sabonetes e outras maquiagens.